top of page

Alberto Pereira e Pandro Nobã unem literatura e ancestralidade em mural no Centro do Rio

Por Ana Paula Souza para Notícia Preta


 
Alberto Pereira e Pandro Nobã – Foto: Louise Freire

As manifestações desenvolvidas em avenidas, ruas e vielas têm como propósito despertar no público, que geralmente acompanha a velocidade dos centros urbanos, uma reflexão sobre o assunto abordado na intervenção artística apresentada. A street art, arte de rua, rompe as barreiras dos grandes centros culturais e leva mensagens políticas, de autoestima e empatia ao povo.


Alberto Pereira, dentro de sua arte, aborda questões ligadas à racialidade. O artista, idealizador do Lambes Brasil - projeto de incentivo a quem deseja trabalhar na área - iniciou a carreira em 2010, ao estampar uma lata de sardinha com a logo do metrô, a fim de retratar a superlotação dos transportes públicos. A partir daí os lambe-lambes passaram a ocupar paredes e tapumes de diferentes lugares do mundo, atravessando fronteiras e indo das favelas cariocas ao Cairo, no Egito.


Pandro Nobã deu início à carreira de grafiteiro na década de 90, ao começar sua arte em muros da Penha, bairro da Zona Norte do Rio onde mora. Nobã, fundador da Artistas Urbanos Crew, projeto onde são oferecidas aulas de graffiti, tem como interesse mostrar aos alunos uma nova perspectiva de mundo, diferente do que é esperado socialmente. Sua arte retrata a ancestralidade, influência da umbanda, que visa resgatar a imagem do homem negro e a história carregada por uma cultura milenar.


O Notícia Preta propiciou o encontro dos artistas que contaram suas experiências e trajetórias.



Mural Conceição Evaristo feito por Alberto Pereira e Pandro Nobã – Foto: Louise Freire

Notícia Preta: Como começou seu processo de criação?


Pandro Nobã: Em 98, eu já via alguns desenhos nas ruas não sabia nem o que era graffiti. Era uma coisa muito nova, a gente não tinha acesso a informação, não tinha internet, não tinha nada. Como eu jogava basquete, comecei a ver nos filmes americanos as inscrições nos muros e fiquei interessado em saber. Aqui já acontecia alguns movimentos. Comecei a ver surgirem graffites no Centro do Rio e tinha uma galera se movimentando na Zona Norte. Até que eu conheci um grupo, que é o Nação Crew, um dos coletivos mais antigos de graffiti aqui no Rio de Janeiro. Aí a galera me deu instrução. Eu juntei um dinheirinho que minha mãe me dava para lanchar na escola e comprei tinta. Daí fiz meu primeiro graffiti em 98 e nunca mais parei.


Notícia Preta: Você vê diferença, antes a aceitavam menos o graffiti ou hoje estão aceitando mais? Ainda existe aquela coisa de graffiti ser coisa errada?


Pandro Nobã: No começo era bem mais difícil por a gente não ter informações. Agora como o graffiti aparece muito na televisão, em novelas e tal, a galera acaba conhecendo mais. Apesar de em alguns lugares as pessoas não terem tanto acesso a informação, acabam confundindo e às vezes a abordagem até sendo violenta, como já aconteceu comigo.


Notícia Preta: Você pensa no seu desenho antes ou você chega no lugar faz de acordo com o que vem na cabeça?


Pandro Nobã: Eu sempre penso antes, eu sempre tenho uma base de estudo antes. Desenho bastante em casa. Os meus desenhos autorais, são muito focados no que eu vivo. Em cada desenho que eu faço na rua, estou contando um pouco da minha história.


Notícia Preta: Qual é propósito do Artistas Urbanos Crew?


Pandro Nobã: Nós somos um grupo de graffiti do subúrbio. Cada um tem sua vertente, tem meu irmão que gosta de fazer só letra, eu já tenho essa pegada já que faço essa parte da mais artística. O Graffiti em si é mais a letra, a coisa feita sem autorização. Isso que a gente está fazendo aqui é mais uma street art, faz parte do mesmo universo, mas tem essas diferenças. O propósito da gente é esse, continuar na rua pintando, espalhando a arte, espalhando o graffiti e a sua essência.



Pandro Nobã e Alberto Pereira – Foto: Louise Freire


Notícia Preta: Como você começou com o lambe-lambe?


Alberto Pereira: Eu estudava Design e de tarde eu ia para PUC, fiz Comunicação Social. No trajeto sempre via uma parede toda tampada de lamb e aí toda hora eu via um novo, mas nem sabia o que era. Teve um momento no curso de Design que fui apresentado ao lamb e ao Arnaldo Antunes além da música, porque ele faz poesia, audiovisual e teve uma obra que ele fazia lamb. Eu fiquei super intrigado e comecei a experimentar.


Notícia Preta: Como você começou a mostrar seu trabalho para o mundo?


Alberto Pereira: Eu fiz esse lamb com a lata de sardinha e comecei a colar dentro do metrô, em 2010. Depois eu fiquei meio parado, porque em casa eu não tinha incentivo. Não era para ser um trabalho, na mentalidade dos meus pais. Em 2015 eu vi que isso era arte e que é um trabalho. E vivo disso hoje.


Notícia Preta: Você tem um viés crítico e ativista. Como o público recebe as temáticas que você aborda?


Alberto Pereira: Ultimamente eu tenho abordado mais, por ser necessário. O que eu gosto mesmo é de falar sobre empatia, fazer você se projetar no lugar do outro. Têm lambs que o pessoal rasga muito o rosto. Tem o Jesus pretinho, que quando vão rasgar, rasgam o rosto da criança e da Conceição Evaristo também. Rabiscaram o rosto dela e riscaram a palavra negra. Mas enquanto eu estou fazendo, nunca tive nenhum problema.


Notícia Preta: Como é a escolha de personagem para os seus lambes?


Alberto Pereira: Eu não desenho, eu escrevo. Geralmente os desenhos vêm de coisas que eu escrevi antes. O da Conceição primeiro me veio a frase, porque estava na época em que ela concorria à cadeira na ABL e quando eu soube do resultado, escrevi esta frase “Uma mulher negra com uma faca é uma arma e uma mulher negra com livros também”. Depois disso que saiu a imagem. Eu leio, vejo o que está acontecendo, porque como a sociedade, eu me alimento do que está acontecendo. Tem trabalhos que não vão falar sobre um personagem, mas sobre a situação.


Notícia Preta: Como é retratar a questão racial na arte?


Alberto Pereira: É um misto de sentimentos. Eu acho estranho, porque para mim é totalmente desnecessário que a gente ainda precise falar disso e é necessário ao mesmo tempo; mas eu não queria ter que falar sobre isso. Ia ser muito legal fazer florzinhas, mas eu não consigo não questionar as coisas. Eu estou fazendo agora para que no futuro as pessoas não precisem fazer mais.

Jornalistas: Louise Freire e Ana Paula Souza

Comments


bottom of page