Arte é passagem, nunca barreira. Ela é uma porta aberta e sem chaves, que te convida a entrar e, uma vez que você passa por ela, ela também te atravessa abrindo outros caminhos, possibilidades e reflexões infinitas. Arte eterniza momentos. Quando ela acontece você esquece por nanosegundos o que te separa de quem não vibra na mesma frequência que você.
Às vezes pelos ouvidos, ora por dança, outras por imagem, por texto, outras cênicas e, por vezes, aquelas que juntam tudo em um único encontro. O mecanismo em que a arte torna-se barreira (às vezes invisível) não é a arte em si, mas alguns mercados que envolvem a exibição de uma obra, concerto, exposição, espetáculo etc.
As artes ditas "urbanas", "de rua", e que hoje em dia prefiro chamar de públicas, são para mim uma das experiências artísticas mais contemporâneas e potentes que existem, pois (ainda) impedem qualquer tipo de mecanismo barrar o encontro entre sociedade e objeto artístico. Pensa comigo: você não precisa pagar entrada, não tem horário agendado, plano de dados, rede social, algoritmos, followers, diplomas, vistos, passaporte e muito menos vestimentas sugeridas.
Recentemente presenciei uma senhora analfabeta encantanda com um #lambelambe todo em texto. Já estive com crianças, jovens e adultos egípcios, libaneses e sírios vibrando juntos com cola e papel, e a gente só se comunicava através disso mermo: cola e papel. Incontáveis vezes presenciei gestos, olhares e emoções de pessoas observando concreto ressignificado em arte. A intervenção pública quebra qualquer muro e transforma avenidas, ruas, praças, becos, portões, portas e corpos em locais de amplitude, convivência e expressão. Ela ocupa e faz morada.
Parte do jogo que eu jogo é o equilíbrio entre público e privado. Sei bem que o mundo que vivemos ainda é esse: de ter para ser. Sabendo disso danço a música de dar e receber, de dividir pra multiplicar, sem nunca esquecer o ritmo que me conduz: essa sucessão de tempos fortes e fracos que se alterna pra gente nunca esquecer de estar em movimento para gerar movimentos.
Nenhuma arte deveria promover barreiras, embora existam barreiras que promovam arte.
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