Conversei com o pessoal da Touts sobre trajetória, processos, lambe-lambe e mais um monte de coisas. A entrevista segue na íntegra abaixo
TOUTS - Artista da Vez #14 — Alberto Pereira
por Lucas Bittencourt
A entrevista de hoje é de um artista que gostamos tanto e temos um relacionamento tão bacana que parecia até que já tínhamos o entrevistado antes. Nosso Artista da Vez vive nas ruas e respira arte. Com uma pegada social fortíssima, o garoto de Niterói que já rodou o mundo com suas artes através de seus lambe-lambes.
Senhoras e Senhores, com vocês: Alberto Pereira
Como você se apresenta nos workshops que ministra por aí?
“Prazer, meu nome é Alberto Pereira. Sou artista de rua, mas nos diplomas sou publicitário e designer gráfico. Na verdade ‘estou’ artista de rua, porque a gente nunca sabe quais caminhos e oportunidades podem vir na frente né.” Mais ou menos assim :)
E como você se apresenta pras crianças nos projetos sociais que participa?
Aí não precisei me apresentar, ganhei um rótulo, hahaha: Tio Lambe Lambe. Falei pras crianças que eu fazia arte na parede e que o nome daquela arte era “lambe-lambe”. Pronto: apelidado.
Aproveitando o gancho, pode contar um pouco mais pra gente sobre os workshops que ministra e como começou com isso?
Começou com alguns amigos me pedindo para ir em algum dia que fosse fazer trabalho na rua. Depois pessoas que acompanham meu trabalho me pedindo dicas de tipo de papel, onde imprimir, como fazer etc. E aí surgiram alguns eventos pra dar oficina. Daí percebi que as pessoas tinham uma real curiosidade no que é de fato o lambe-lambe. E, de certa forma, um vontade de fazer, já que basta ter ideia, papel e cola.
Agora sobre os projetos sociais, um que sempre vejo você comentar é o Casa Amarela da Providência. Conta pra gente um pouco sobre o projeto e como você foi parar lá?
A Casa Amarela é um projeto idealizado pelo artista francês JR e apadrinhado por um grande fotógrafo do Morro da Providência, o Maurício Hora. Não é uma ONG, é um ponto de cultura dentro da Providência que promove ações e oficinas para as crianças e, agora, iniciando com alguns adultos. Nasceu com a ideia de trazer artistas nacionais e internacionais para ensinarem arte e em troca aprenderem com o ambiente, com as pessoas, com a favela. Ah, e esse artista dormiria na lua (pra entender veja a foto!). Mas tá ganhando corpo, além da arte; de capoeira a francês, de teatro à ilustração, do spray ao lambe-lambe. Fui parar lá por meio de uma amiga, a Juliana Luna, que por um tempo gerenciou a casa. Fui a convite dela no Natal de 2016 e nunca mais quis sair de lá.
Além de você, alguns outros artistas como o super renomados como JR e Marc, também apoiaram o projeto. Como foi a relação com essa galera?
O JR é o fundador e ponto de conexão da Casa Amarela com o mundo — literalmente. E o Marc idem. Pessoalmente tive poucas trocas com ambos, mas foi o bastante para eu pedir pra eles levarem o #JesusPretinho pra ser colado em NY hahahaha :)
O “Jesus Pretinho” é um de seus lambe-lambes mais famosos e, pelo que soube, já viajou para vários cantos do Brasil. Pode contar pra gente um pouco dessas aventuras e perrengues que já passou pelas ruas?
O Jesus Pretinho gosta de viajar haha. Ele já foi pra algumas cidades dos estados do Rio, São Paulo, Minas Gerais. Foi pra Brasília também. Inclusive ele tá chegando no Espírito Santo e no Paraná nesse mês. Em dezembro no Rio Grande do Sul. E já foi pra Inglaterra e deve tá chegando em Nova Iorque também. Essa é a potência do lambe. Ás vezes ele vai sozinho, às vezes vou com ele. E estamos de bem nessa relação de poliamor hahahaha. As aventuras são essas; quando sobra um dinheiro e/ou quando vou fazer algum trabalho fora, falo com algum camarada que possa me abrigar e parto pra conhecer outras ruas, outras cenas. Busco no virtual e me conecto de verdade no real depois. E os perrengues aconteceram poucas vezes, de ter que tirar o papel na hora, de ter que sair de fininho. Só corri uma vez. E nunca fui pego nem no Rio e nem em outro lugar. O lambe é menos visto como vandalismo. É papel e cola, quem não gosta, simplesmente tira e tá ok com isso.
Como surgiu sua relação com a arte e o design? Foi por vocação ou teve algum momento específico anterior?
Sou filho de militar e professora. Meu pai e meus tios cresceram na Igreja Batista, então todos aprenderam algum instrumento. A família carrega arte. Precisou só pular uma geração pra acontecer de alguém de fato trabalhar com arte. Sempre curti desenhar, tocar instrumentos, imitar alguém, passar trote, enfim, exercitar essas expressões artísticas. O Design veio pelo acaso. Meu pai queria que eu fizesse todas as Engenharias possíveis. Eu queria tudo que tivesse arte e música envolvido. Chegamos então na Comunicação Social e, depois que tinha passado pra Comunicação, ele viu um anúncio no jornal sobre um concurso em Design Gráfico para o SENAI. Foi assim. Descobri o Design por acaso.
Pode contar pra gente um pouco do seu processo criativo no seu dia a dia? Onde você busca suas principais influências e referências?
Busco referências em tudo. As vezes o que vai pra parede vem de uma frase que escutei. Então não existe um local exato. Existem os livros, as pessoas, as músicas, os momentos do dia, as frustrações, as injustiças, as alegrias, as conquistas, as derrotas e a rua. Eu adoro a rua porque ela traz tudo que listei da maneira mais dura e bonita. Meu processo funciona assim, eu preciso estar fora pra estar dentro. Então me alimento de tudo que falei acima e nesses momentos e/ou sentimentos é que pra mim moram as ideias, que são anotadas na hora, porque ideias fogem e raramente voltam. Eu tenho muita anotação, só preciso disso pra lembrar do que quero fazer. Quando anoto a ideia, já tenho a forma como essa ideia vai ser desenvolvida exatamente na cabeça. Aí basta chegar em casa e produzir.
O que você mais gosta de fazer no seu tempo livre?
Praia, comer bem, andar na rua sem rumo, assistir algum show, transar, ver filme, ir a exposições. Não necessariamente nessa ordem e tudo isso no mesmo dia né, porque aí já não vira tempo livre rs.
Como você acha que sua experiência como artista de rua acaba influenciando na sua visão de mundo e principalmente nas suas artes em outros formatos?
Acho que a questão não é ser artista de rua, mas estar e gostar da rua. Acho que o fato de estar na rua mexe diretamente com duas coisas: ego e empatia. A gente não é tão especial quanto pensa. Têm milhares de pessoas ali ocupando o mesmo espaço que você com infinitas contas, crimes, crenças desejos, preocupações, problemas e mais uma série de coisas. E é compreensível que no meio desse sistema que é a rua tenha um cara buzinando revoltado, a menina no elevador dando um riso de canto porque leu uma mensagem do crush, o cara atrasado pro trampo na fila do busão, o outro no sinal vendendo bala. E por viver mais e mais na rua, acabei incorporando isso na minha expressão artística. É um auto retrato, a parte escrota e a parte poética de nós humanos, falhos, bonitos e feios. Afinal, somos isso né?
Como surgiu a série “Negro Nobre” e qual foi a motivação por trás do projeto?
Surgiu de uma brincadeira com a foto do meu perfil. Depois me liguei na potência que aquilo tinha, porque é o óbvio não óbvio. Daí surgiu o conceito, de trazer personalidades negras que constroem e construíram a cultura brasileira. E trazê-los o título que merecem, de nobreza. Aqueles mesmos nobres que víamos nas aulas de arte, mas nunca víamos com pele preta. Dessa ideia central, pesquisava alguns quadros dos séculos XVI, XVII e lembrava de algum artista que encaixaria certinho no quadro. Não ficava escolhendo o artista que faria, parecia que o quadro era feito pra um determinado artista.
Você já teve a oportunidade de trabalhar com algumas marcas consagradas como Adidas e Red Bull, como foi trabalhar com essas marcas? Como você enxerga essa relação de grandes marcas em colaboração com artistas independentes?
Foi irado saber que essas marcas reconhecem a ponto de remunerar e querer estar linkadas de alguma forma ao meu trabalho e a minha pessoa. Eu enxergo que cada vez mais as marcas entendem que experiências, histórias e pessoas comuns que buscam e batalham na prática são importantes. Por isso, ao mesmo tempo que se conectam com nomes grandes, estão aprendendo que é mais que necessário se conectarem com aquele artista que manda umas rima foda e vive na ZN do Rio, por exemplo. É mais simples, é mais verídico, é mais real e, o mais importante, é mais barato. Até porque são marcas né, e acima de tudo isso que é bonito — elas visam lucro também. Sendo bem remunerado, entendendo o seu lugar e experiência e sabendo as condições, vira um game franco. Caso contrário, vira um game exploratório.
Que papel plataformas como a Touts tiveram na sua carreira como artista?
A Touts me ensinou a ser mais empreendedor. E me ensinou a enxergar outras extensões para alguns dos meus trabalhos.
Quais as principais vantagens que você enxerga em disponibilizar sua arte em sites como o nosso?
Fora a lindeza que é receber “Yay! Seu produto foi comprado o/”, a possibilidade de chegar em lugares do Brasil que desconhecia e alguém escolher um desenho teu no meio de tanta gente legal e tanta opção é foda demais. Esbarrar com alguém vestindo teu trampo é irado também! Dá uma inflada boa no ego e um gás, que às vezes é até necessário.
Quais dicas você daria pra si mesmo no passado, quando estava apenas começando?
Não pare por 4 anos não, continue.
Quais são os próximos passos e o que vem pela frente?
Continuar estudando, continuar exercitando, continuar conhecendo outros artistas, buscar residências e conexões além Brasil e fazer com que o lambe-lambe brasileiro seja mais praticado, melhor remunerado, mais conhecido e reconhecido aqui e mundo afora.
Pra fechar, um bate-bola jogo rápido:
Uma pessoa incrível — Difícil, acho que todo mundo tem algo de incrível pra partilhar.
Um sonho — Ter a possibilidade de, com a arte, fazer pequenas-grandes transformações em comunidades, cidades, estados… quiçá país — o meu e outros.
Uma cor — Impossível, eu mudo sempre.
Um livro — Fernão Capelo Gaivota
Um esporte — Judô
Uma viagem — A próxima
Alberto por Alberto em uma frase — Um cara muito do esforçado.
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